Eu sou Roseane Cavalcante de Freitas, a Rosinha da Adefal, deputada federal por Alagoas e também Presidenta da Frente Parlamentar do Congresso Nacional em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
Venho aqui trazer meu relato de experiências que vivi com a áudio-descrição, e que hoje me fizeram entrar de cabeça nessa luta pela sua realização, por acreditar que este recurso é uma das garantias do direito à comunicação e à informação.
Quando tive meu primeiro contato com a áudio-descrição propriamente dita, eu já tinha lido, conversado e escutado das pessoas que a áudio-descrição era um recurso de acessibilidade comunicacional importante para as pessoas com deficiência visual. “É bom para os cegos”, diziam. E eu assentia com a cabeça, demonstrando ter entendido e concordado com a observação.
Eu achava que entendia. Achava que sabia do que se tratava esse recurso de acessibilidade. Mas meu entendimento era puramente das orientações técnicas, sem que eu “sentisse” o que, de fato é a áudio-descrição.
Mesmo que por motivos “técnicos”, no mês de junho do ano passado (2010), ainda quando vereadora em Maceió, organizando um evento sobre deficiência e relações de consumo, junto com o Procon/AL me veio a idéia: por que não proporcionar áudio-descrição no evento? Afinal, Alagoas nunca tinha tido a oportunidade de ter contato com este recurso em acessibilidade.
Sugeri. Idéia aceita pelo Superintendente do Procon/AL, Dr. Rodrigo Cunha, contato realizado com a equipe do Prof. Francisco Lima, do Centro de Estudos Inclusivos da Universidade Federal de Pernambuco, e chegou o grande dia.
Muita chuva... muita chuva, mesmo.
Vocês lembram das enchentes que destruíram diversos municípios alagoanos e pernambucanos, no ano passado? O ápice dessa catástrofe natural foi justamente na véspera do evento.
Graças à Deus, o Prof. Francisco, a Prof. Rosângela Lima, e a equipe de áudio-descritores, que vieram de carro, de Recife, chegaram bem.
E mesmo com toda a chuva, o auditório estava cheio.
As pessoas com deficiência visual em Alagoas, ansiosos por experimentar o recurso.
Começamos o evento. Para mim, aparentemente, nada de anormal, a não ser os fones de ouvido utilizados por parte da platéia.
Mas, aos poucos, foi me chamando a atenção as feições de espanto, a concentração, os sorrisos em sintonia, como que num segredo só de seus usuários. O que eles estavam escutando? O que dividiam entre si?
A curiosidade foi maior, e não resisti: solicitei um fone.
E escutando a suave voz da professora Rosângela, fui me deixando envolver pela narração.
Fui conduzida a imaginar cores, formas, sensações, como a muito não fazia.
A rotina da vida nos embrutece. E naquele momento me permiti viajar pela suavidade do que me era sugerido. Me senti valorizando coisas que há muito me passavam desapercebidas. Me senti mais humana com a experiência.
Quando da palestra do Prof. Francisco, explicando sobre a importância da áudio-descrição, me surpreendi quando ele relatou “não sabia que a Rosinha tem cabelos loiros e olhos azuis”.
Sabemos que a aparência, a forma como nos vestimos e como nos comportamos define muito do que somos. Muitas vezes as nossas bandeiras e lutas se encontram estampadas na forma como nos apresentamos para o mundo. Até por isso a moda é uma instituição.
E naquele momento é que vim perceber que foi negado às pessoas com deficiência visual, informações que achamos tão óbvias e que, por si só, os ajudaria a contextualizar situações e acontecimentos.
Numa outra ocasião, ao final de um evento no interior de Alagoas, um senhor cego venho me cumprimentar e falou “como a senhora é baixinha”! E eu lhe expliquei “uso cadeira de rodas”. Ele ficou ainda mais surpreso com o fato de hoje eu ser deputada federal, e disse que não sabia de minha deficiência.
Fiquei tão tocada com estes acontecimentos, que outro dia, ao encontrar o Dr. Ricardo Tadeu, Desembargador e cego, na primeira oportunidade fui logo lhe perguntando “o senhor sabe que sou loira e tenho olhos azuis? Juro que não pergunto por vaidade” (já que o padrão de beleza que hoje se consome é o da loira de olhos claros). É que fiquei incomodada de imaginar que estas informações são silenciosamente negadas.
Finalmente compreendi o peso de se negar o direito a áudio-descrição. É negar o direito à informação e à comunicação em prejuízo ao convívio social das pessoas com deficiência.
E não se admite mais, em tempos atuais, em que já dispomos das tecnologias que nos favorecem e nos trazem os confortos de que precisamos, que ainda estejamos discutindo o seu custo. Como se não houvesse custo para as pessoas com deficiência, a sonegação das ajudas e tecnologias que compensam as suas limitações e lhes permite usufruir dos bens e serviços no mesmo patamar que os demais.
Se eu conseguir fazer avançar este recurso em acessibilidade comunicacional, para que ele passe a fazer parte da rotina das pessoas com deficiência, principalmente na Câmara dos Deputados, ficarei bastante satisfeita.
Penso que nossa luta pela acessibilidade é superior às nossas necessidades individuais. Ainda que atualmente não precise deste recurso, entendo que a luta pela acessibilidade transcende os interesses dos grupos e é única. A vitória de cada um se traduz na vitória de TODOS nós, pessoas com deficiência.
Rosinha da Adefal*
*É deputada federal por Alagoas. Presidente da FrentePcD, já foi vereadora por Maceió e Presidenta da Associação de Deficientes Físicos de Alagoas (Adefal), entidade que lhe doou o sobrenome político. É bacharel em Direito e servidora pública do Tribunal Regional do Trabalho em Alagoas e teve este depoimento publicado no Volume 7 da Revista Brasileira da Tradução Visual (RBTV).